sexta-feira, fevereiro 26, 2016

Je suis Tinder


O Correio da "Manha" faz notícia de capa de que a Isabel Moreira está no Tinder.

C'orror! A devassa! Imagine-se uma mulher e, ainda por cima, deputada, no Tinder, uma aplicação que privilegia encontros e novos conhecimentos!

Vou ser curta e grossa: Estou farta. 
Saturada destas merdas sexistas. 
Farta, saturada destes marialvas machos lusitanos com um complexo de pila pequena que vai daqui até à lua e dá a volta umas vinte vezes.

Num país de primeiro mundo, toda a gente está no Tinder (Sim, as mulheres também, incluindo as mulheres bem sucedidas, formadas, educadas e até com exposição pública. É assim nos países nórdicos e é assim em Nova Iorque, por exemplo.

Aqui há meses, a minha ex-paixão assolapada que durou demasiados anos para jurar para nunca mais disse-me: "Mas tu estás no Tinder? Aquilo é só para sexo. Não é para mulheres como tu!", deixando entender que o facto de estar no Tinder iria denegrir a minha imagem e todas as parvoíces que povoam numa mente de macho latino.

Ai é? Onde está escrito que aquilo é só para sexo? 
Primeiro, O meu corpo, as minhas regras. Depois, mesmo que fosse, e então? Qual o problema? Eu, mulher livre e desimpedida sem ter de dar satisfações a ninguém posso querer apenas sexo, sem virem os defensores do cinto de castidade gritar ao deus nosso senhor.

Sabem que mais? Ainda mal interagi, porque não estou ainda para lá virada, mas tenho para mim que o Tinder será óptimo para conhecer pessoas interessantes, especialmente estrangeiros. 

Eu que fisicamente sempre achei mais apelativo o homem moreno e os branquelas não me diziam propriamente alguma coisa, acho muito mais intelectualmente interessante um nórdico. E intelectualmente para mim é quase tudo. Porque é que acho mais interessante um nórdico? Porque estou saturada destas merdas. Porque não quero ter o azar de sair-me um sapo e ir parar às negras estatísticas portuguesas sobre violência doméstica. O perigo é tão real que o medo tornou-se real.

Sempre disse à minha mãe que casar não faz parte dos meus planos. Se acontecer, aconteceu mas não o tenho por objectivo. 
Ultimamente, tenho-lhe dito que está praticamente fora de questão casar com um português. Caramba, o meu pai, alentejano de raíz, dos seus sessenta e três anos tem uma mente muito mais avançada do que os neandertais que aparecem à minha frente. Não quero ser mais uma Maria Zamora, que ainda agora fez um ano a sua morte.

Isabel Moreira, para que fique bem claro, se eu não estivesse no Tinder, teria aderido agora com toda a certeza.Mulheres, estão à espera do quê?

#jesuistinder #jesuismulherlivre #correiodamanhaomaiorascoportuguês

segunda-feira, fevereiro 15, 2016

Run Forrest Run




Todos os dias quando levo a Cacau à rua, logo pela manhã cedinho, rezo para não encontrar pelo caminho vizinhos ou alguém conhecido.

Não obstante, uma vez ou outra, apanho um real susto precisamente por ter todo o caminho livre.

Toca o despertador. Lanço a mão ao calhas, a tentar encontrar o comando (Uso a aparelhagem como despertador - sim, sou do século XX.), e carrego em todos os botões para calar os senhores AC DC, que irromperam a cantar "Youuu, shooke me all night loooong" (Calma, senhores. Sei que sou fabulosa mas, de manhã, fico-me apenas pelo suave chilrear distante dos passarinhos.).

Levanto-me, vou à casa de banho (Esqueço-me de, pelo menos, passar um pouco de água pelo rosto.), enfio umas leggings, um cachecol enorme, gorro e um anorak de penas com capuz.  Como se fosse para Sibéria mas sem soutien (Prerrogativas do Inverno.) e com o pijama por baixo.

Levo cerca de quinze minutos a convencer a Cacau a levantar-se da cama (sofá), entre festas e beijinhos e enfio-lhe também um casaco, que a minha miúda é friorenta e mimada. (Normalmente, aquele lilás, com capuz, que a faz derreter até qualquer brutamontes com coração de pedra.)

Como sempre, seguimos para o jardim em modo automático e tudo o que se desenrola repete-se todos os dias. 

Nem sempre.

Acordo um pouco do transe, olho à volta e não vejo vivalma. 

Nem uma pessoa, nem um carro a passar ou som deles ao longe. Nada.

Até o vento silenciou-se.

O tempo parece ter parado. Não há sons nem movimento. Há uma energia estranha no ar.

Fomos jogadas noutra dimensão? Aconteceu uma calamidade ou um fenómeno estranho?

Nada. Ninguém.

É assim por uma eternidade (Ok, um minuto no máximo mas uma eternidade na escala do pânico.).

Começo a preocupar-me.

Até que lá bem ao fundo vejo alguém a caminhar.

Presto muita atenção e preparo-me para correr um sprint com a Cacau.

Outra pessoa, do lado oposto.

Ó meu deus!

Já bastante acordada, absolutamente em alerta, e com as rugas marcadas da almofada a desaparecerem, tento manter ambas as pessoas debaixo de olho vivo. 

Cada uma, sob cada olho. 

(Depois admirem-se se sou vesga.)

Bem, pelo menos, o caminhar parece normal. 

Quer dizer... Arrastam-se um bocado.

Sim, arrastam-se e caminham lentamente.

Passa um carro.

Depois outro e outro e um autocarro.

Mais pessoas e crianças com mochilas a dirigirem-se para a escola. Conversas, risos, o vento sopra. O barulho das árvores sob o vento.

Alivio.

Inspiro profundamente, chamo a Cacau e viro as costas em direcção a casa.

As únicas dentadinhas que irão acontecer são as que vou dar num belo muffin de chocolate.

Ou dois, depois desta saga toda.